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Estado acoberta uma clara violação do direito da privacidade dos cidadãos

Ao conhecer as contas acima de 50 mil euros, a administração fiscal ganha mais um elemento para juntar às análises de risco dos contribuintes. Lei prevê segurança reforçada dos dados. Constitucionalistas deixam alertas.

A nova lei que permitirá à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) conhecer os saldos das contas bancárias acima de 50 mil euros, agora aprovada tem a promulgação quase garantida. Irá o Presidente da República proteger os direitos dos cidadãos?

Ao passar a conhecer o saldo bancário, a AT terá mais um elemento a juntar aos que hoje lhe são comunicados, desde as declarações de rendimento, aos juros, dividendos e rendimentos financeiros.

No fisco, os dados não estarão à vista de todos, antes serão de acesso restrito e sujeito a autorização. Isso já acontece com os dados que o fisco recebe sobre o saldo dos não-residentes, a quem se aplicam as regras especiais de segurança da Lei da Protecção de Dados Pessoais. Por exemplo, a norma prevê que os dados “não sejam lidos, copiados, alterados ou retirados por pessoa não autorizada”.

Não se conhecem, porém, os procedimentos internos do fisco, nem o Governo desenvolveu o assunto para além de dizer, nas explicações que acompanham o articulado da lei, que “a confidencialidade dos dados obtidos é garantida”. Mas essa garantia é vazia tendo em conta o que se conhece do funcionamento da Autoridade Tributária.

O constitucionalista Jorge Miranda tem o mesmo tipo de receio de João Paulo Batalha, mas junta-lhe dúvidas de constitucionalidade sobre a medida em si. “É uma violação da privacidade das pessoas, ainda por cima quando os controlos de garantia dos dados pessoais não são extremamente seguros”, disse ao PÚBLICO, ressalvando não conhecer o articulado aprovado.

O professor da Faculdade de Direito de Lisboa, considerado um dos “pais” da Constituição, lembra a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão que distingue três níveis de privacidade em função da dimensão pública da pessoa: “Se em relação ao homem público, com cargos políticos, a publicidade deve ser praticamente total, salvo os aspectos da vida puramente íntima, pessoal, já em relação ao cidadão comum, a intimidade deve ser total.” Pelo meio ficam personalidades públicas, que estariam no meio-termo.

Um dos debates intensos de 2016 tinha no centro uma pergunta: a medida abala a reserva da vida privada? João Paulo Batalha considera que a questão da devassa existe mais no lado da despesa do que na receita. Também Rocha Andrade considera que o e-Factura é “um pouco mais invasivo” do que a medida agora em jogo. “A falta de discussão em torno do e-Factura sempre me surpreendeu um pouco, devo dizer, porque ela coloca um ónus no sujeito passivo. A AT não conhece o conteúdo das facturas, mas conhece o valor cobrado por certos fornecedores”, afirma o ex-secretário de Estado.

fonte: Publico.pt